quinta-feira, 8 de maio de 2008

MAMÃE QUERIDA


Mamãe querida, chegou a estação segundo domingo de maio. O fervilhar pré dia das mães deixa as multidões ansiosas. A publicidade é veloz como correnteza de enchente. Quem não tem dinheiro para comprar um presente não é gente. Uns poucos riem; outros tantos choram. Depois de 22 de abril de 2002, data em que a senhora libertou-se do invólucro corporal, terreno, e partiu para o invisível, se deram muitos e inusitados fatos. O Lula venceu a eleição presidencial, e nada de reforma agrária. Chefe do governo federal, o ex-metalúrgico taxou de bravata e mandou apagar a pregação que tinha feito em Macau, em 1994, na Caravana da Cidadania. Para provar não ser discurso seu retrocesso programático, orquestrou a expulsão dos deputados federais e da senadora petistas que votaram contra a lei que reduziu direitos previdenciários duramente conquistados.
Em cascata, baluartes nacionais da legenda estrelada envolveram-se num enorme escândalo. O valerioduto tragou milhões sem fim de reais comprando parlamentares. Teve CPI do Mensalão investigando as denúncias. A maioria dos congressistas na mesma laia, a comissão parlamentar de inquérito findou sem apurar tudo. Quando pensávamos que o sol da lisura e da camaradagem apontava no horizonte, o Partido dos Trabalhadores virou ambiente neoliberalizado. Os fracos não têm vez. Um novo entulho autoritário entranhou-se no âmago da organização partidária e ditou o alinhamento do dono de tendência ao endinheirado. O fazer militante foi desqualificado e a militância posta no canto da parede. Papai diz que o mal é antigo. Ficamos indignados. Eu e papai nos desfiliamos do PT e assinamos ficha no inédito PSOL, Partido Socialismo e Liberdade. Começamos de novo.
Lula da Silva reelegeu-se Presidente da República em 2006 e mantém considerável popularidade. As greves escassearam. 1º de Maio está feriado de festa pelos salários aviltados e crescente violência. Os corruptos dos altos escalões governamentais, blindados com foro privilegiado, dificilmente são punidos pela Justiça. É, mamãe, o mundanismo avassalador manda com força. No item músico-cultural, o besteirol invade casa, bar, praça, rua e raciocínio com letras do tipo “quer pegar é?”, “creu”, “chupa que é de uva”, “calcinha preta”, e por aí vai. No plano internacional, o desesperado império estadunidense cai em recessão econômica, mas mantém estratosféricos gastos nas invasões no Iraque, no Afeganistão e impertinentes ingerências nas demais nações. Ceifa milhões de vidas inocentes, causa desastrosa destruição da biodiversidade e abre mais estradas de opressão e desigualdade. O Brasil, pivô de desmedido desmatamento na floresta amazônica, transformou-se no quarto emissor mundial de gases de efeito estufa.
Estudiosos comprometidos com a democratização da democracia – contrários à fulanização e sicranização caciquista – advertem para os desvios prenunciadores do renascer do cupulismo, idiotização dos partidos e isolamento das massas. O economista Zivanilson Silva alerta que a pátria dos brasileiros ainda não pegou o trem da história. Apesar de tudo, os nacionais ainda mantêm a fé na reviravolta do bem. Em que pese despolitizante pressão, os cidadãos percebem que o futuro se faz a partir do hoje, e que cada pessoa tem sua responsabilidade social. A arraia miúda perdeu a paixão pelo movimento político forjado de cima pra baixo.
Mamãe querida, no instituto do lar que construístes para nós, a senhora é insubstituível. Papai, filhos, filhas, genros, noras, netos e netas jamais esqueceram – e sempre reverenciam - suas atitudes benfazejas no apogeu e no ocaso. Alho, seis e dez; batata inglesa, um e quarenta e nove; banana, doze centavos; cebola branca, dois e quarenta e nove; feijão macassar branco, quatro e setenta e cinco; carne de carneiro, nove reais. As mães fazem conta no mercadinho. Bênção, mamãe.
Renan Ribeiro de Araújo – Advogado