sexta-feira, 11 de setembro de 2009

MACAU...


Minha querida professora das tres teses, folheando o arquivo de Saddock encontrei algo que nos deixa cheio de muita emoção porque falar de Macau é, para nós, momentos de orgulho. Ter também poeta da nossa terra é muito mais ainda. Sei que não sou a pessoa indicada para falar desse poeta, afinal somos irmão. Particularmente acho as poesias dele maravilhosas e cheias de muita filosofia.

Kinkas.


MACAU VENCIDA


Há muitos anos, entre o mar e o rio, Macau se fez meu berço. E como ser macauense é ser pedra, carrego ainda hoje essa saudade demolida e densa.
Da infância, feliz e libertária, aprendi logo cedo que os embates se davam nas águas do rio Açu. Ali, a luta era muito mais por liberdade que mesmo pelo pão...
Aqueles homens do mar eram verdadeiros heróis... Meu pai, o maior de todos eles... Soubera fazer das medidas, curvas e sonhos, a extensão daquele mundo. Tornara-se um dos maiores artífices da carpintaria naval brasileira. Possibilitando à sua terra, com seu talento e inteligência, os meios para transportar a sua maior riqueza: o sal.
Macau era uma cidade destinada às lutas. Os Sindicatos faziam, nos últimos dias que antecederam ao golpe militar de 64, uma grande concentração nas imediações da praça do mercado do peixe, mais precisamente defronte ao Sindicato dos Marinheiros e Moços em Transportes Marítimos e Fluviais. Ali estavam algumas das lideranças do movimento sindical e do Partido Comunista Brasileiro: Dr. Vulpiano Cavalcanti, Floriano Bezerra, Raimundo Bernardino (Cacai), Chico Mariano, Joaquim Maurício, Benero... Quase todos depois foram presos, e muitos torturados pela ditadura que se implantara silenciosamente na noite que antecedia o 1º de abril de 64. Uma mentira que se tornou verdadeira e sanguinária... E que vendeu Macau ao capital estrangeiro, fazendo do seu povo uma legião de desempregados em busca de aposentadorias conseguidas em troca de favores, presentes e falsos atestados médicos, principalmente quando a presumida loucura que se abateu sobre os pais de família macauenses, procurou o antigo INPS.
Nas salinas, o trabalho escravagista ia aos poucos, movido pelas lutas dos salineiros, evoluindo para uma relação de trabalho menos perigosa e mais humana. Passaram, ao longo dos anos, do cesto para o carro de mão; da pá de madeira para a pá de ferro; já usavam óculos e, alguns, até mesmo luvas... Sob o sol, o trabalho continuava árduo, mas sobre o sal não se via mais tanto sangue...
Macau era a cidade das festas, das novenas, dos leilões, dos poetas, do carnaval e, por que não dizer, de mulheres bonitas. Tínhamos dois cinemas, uma belíssima praça e vários prédios monumentais, como: O Grupo Escolar Duque de Caxias, o prédio dos Carriellos, o Cine Éden, o Bar rochedo, a Prefeitura, a Biblioteca Rui Barbosa – uma das melhores do RN e que foi, segundo comentavam, incendiada como álibi para queima de arquivo... –, os clubes da A.A.R.U e Henrique Lages, o prédio de “Seu Amaro do Vale”... Costumo dizer, que da infância que guardo comigo, resta apenas o velho moinho, adormecido no silencio universal das salinas, guardando consigo a certeza de que Macau tem a cor da paz e um povo cansado de guerra...
Parece que o tempo parou. Não se houve mais a velha música nem se luta mais por liberdade. A fome não é mais um sinal nem o preconceito é tido como um gesto atrasado e desumano. Roubar passou a ser até normal... – Ah! Quem é que não rouba! Diz quase todo o mundo... E a política não é mais pública, mas algo da privacidade dos poderosos. Diz-se: Eles são ricos, eles podem... E o ditado anda solto: Enquanto puder pagar, preso não será...
Lembro-me de padre Penha minutos antes de uma audiência, da qual foi testemunha. Conversávamos sobre Macau e, de repente, o Padre olha para mim e fala: Macau, macacos! Confesso que fiquei inquieto... Depois, já refeito, entendi... O Padre deve ter lido Nietsche – Assim falava Zaratustra: “Que é o macaco para o mundo? Um motivo de riso ou de dolorosa vergonha. Percorrestes o caminho que vai do verme ao homem, mas ainda tendes muito do verme. Fostes macaco, um tempo, e também agora, o homem é ainda mais macaco do que qualquer macaco (...)”.
Fiquei ali sereno, apenas olhando pela vidraça... Macau agora era um sonho longínquo, uma aquarela perdida no mar. Lembrei-me de minha família e, muito especialmente, do meu irmão Josias. Quase sempre o ouvia falando de suas aventuras, dos embates travados nas águas do rio Açu; das histórias de Macau... Como teria sido bom dizer-lhe que o sonho não acabou. Mas acho que ele iria preferir ouvir a verdade: Cai dentro de mim... Meus olhos são velhas lunetas / Que já não alcançam o novo mundo. / Sou capitão sem barco, / Mapa sem tesouro. / Sou abismo. (...) – Os sonhos que deixei no mar / Nunca mais os naveguei.


José Saddock de Albuquerque
Advogado