terça-feira, 15 de abril de 2008

ARCO IRIS NO CÉU


Em 09 de abril de 2008 amanheci taciturno. Não que eu seja pessoa extrovertida, de riso constante. Reconheço meu jeito austero tal cicatriz de opressão. Mas naquela data cedinho senti algo estranho. Passara a chuva e o arco-da-aliança violeta-anil-azul-verde-amarelo-laranja-vermelho era ponte para além horizonte. A magnitude solar distribuía suave claridade. Cenário inexplicável ao ser humano adepto da filosofia de resultado. Raiar aparentemente igual aos raiares dos trópicos. Dia nascido para calar no crepúsculo, orvalhar-se na noite serena e despertar tonificado na alvorada seguinte. Abro a porta e deparo-me com vegetação verdejante de fotossíntese. Flor branca sendo polinizada por avezinha bicuda de mancha violeta atrás dos olhos e plumagem à base de verde aceso, o colibri. Abelha polinizando a roseira vizinha. Algo chamando atenção, e eu absorvido na rotina.
Vago vento vazio. Receosa melancolia. Fosse eu objeto, preferiria ser turbina de alegria e discernimento. Uma notícia decifrou o enigma. Minha prima Íris Marques de Araújo, 51, havia expirado. Primor de mulher. Mãe acima de tudo. Enfermeira sacerdotisa. Foliã festeira, gene tio Zé Bezerra. Brava Íris, anos e anos cuidando de enfermos, enfim ela própria lutando para curar-se de câncer. Exemplo de dignidade acossada pela dor. Cabeça erguida até o último suspiro. Vai, amiga, livre do assédio das vilezas terrenas. Entrega a Deus nossa mensagem de fé. Do plano superior, manda com amor um pouco de ressurreição.
Vibrante vida dinâmica. Concluindo o 2º grau como líder secundarista, no final de 1981 decidi servir às forças armadas. “Eu sou da poderosa artilharia, que na luta se impõe pela metralha, a missão das outras armas auxilia, e prepara os campos de batalha”. Amo o hino artilheiro. Servi no 17º Grupo de Artilharia de Combate, na Bateria de Serviços. Antes, porém, esforcei-me para eleger meu sucessor na presidência da entidade estudantil do Atheneu Norte-Rio-Grandense. Foi eleito Gutenberg Oliveira, filho de Evaristo Lopes, ex-sindicalista e ex-vereador em Macau. Rumei à Organização Militar. Aos 19 anos, entrei refratário. Recebi barbeador, creme de barbear, escova, pasta dental, saboneteira, sabonete, desodorante, caneca, lençol, colcha, meia, tênis, calção, cinto, sabre, coturno, calça, gandola, casaco, capa, camiseta, capacete, gorro, bibico, traje de passeio, mochila, cantil, fal e munição. Ganhei alojamento, cama e armário individual. Inicialmente, no período interno, várias palestras específicas.
Nos testes de aptidão física, evitei ser o primeiro e o último. Fiquei ás em ordem unida. Inscrevi-me nos cursos de cabo e motorista. O capitão comandante exigiu-me escolher um dos dois. Optei por dirigir viatura. Aprendi manutenção de 1º escalão dos automóveis. Habilitado com carteira “C”, fui pra linha auto. Incumbi-me de guiar e zelar um caminhão reo, como se fosse meu. Atirei de fuzil automático leve e de pistola 9mm. O fuzil, desmontávamos e montávamos de olhos vendados. Lidei com obus, metralhadora point 50, lança-rojão, bazuca e granada. Em exercício de maneabilidade, pulei fardado no rio Potengi e lancei-me de cabo aéreo. Corri, rastejei, rolei, de arma em punho. Um praça-carnavalesco, pois, paralelamente, empreendi com colegas, em Macau, a Agremiação Carnavalesca “Os Bruxos”. Em 14 meses de caserna, conheci gente boa e fiz amigos. Ampliei a visão. Aprendi a não generalizar. Recruta braço forte, mão amiga, arraiguei em mim o sentimento da alma brasileira.
Simulamos confrontos, situações de guerra, sobrevivência na selva e enfrentamento de manifestações. Fiz guarda 24 horas em diversos pontos do quartel. Escala apertada, praticamente dia sim, dia não. Faxinei alojamento e banheiro coletivo. Cumpri tarefa de gari. Lavei milhares de bandejas no rancho. Aparei capinzal com estrovenga. Fui garçom em festa interna de oficiais. Tomei conhecimento sobre o marechal Emílio Luiz Mallet. Em sua honra, 10 de junho é o Dia da Artilharia. Sorvi mais sobre Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Terminei estafeta na sargenteação, auxiliando o sargento iante. Trabalhei bastante, soldo pequeno, mas foi divertido. Progredi. Hoje, contente com a vitória do Fluminense, lembrando o dramaturgo Nelson Rodrigues, aplaudo o Exército ajudando as vítimas da enchente. Soldado 628, Renan, sentindo a aura de Íris. Depois contarei mais.
Renan Ribeiro de Araújo – Advogado