quarta-feira, 23 de abril de 2008

MACAU SOB AS CHUVAS

Como boa interiorana que sou, tempo de chuva é tempo de ir olhar a chuva.
Infelizmente, este ano ainda tenho me limitado a fazer esta viagem pela internet. Mas, vou à Barragem Armando Ribeiro Gonçalves no próximo domingo, pois esse é um passeio que quem não fizer pode ser castigado. É a maior barragem do Estado e de lá está saindo uma grande quantidade de água, cujo destino é o mar e cujo percurso passa por inúmeras cidades no Vale do Assú, entre elas Macau.
Macau é onde nasci. Cidade rica e habitada por uma população, em sua grande maioria, pobre; e que fica na região norte do RN, no meio de salinas. Dizem (e eu acredito) que sua altitude é quase a mesma do nível do mar.
Nela passei minha infância e dela lembro, entre outras coisas, dos inúmeros banhos de chuva pelas ruas alagadas. Nela aprendi que não se toma banho na primeira chuva, que é preciso esperar a terra esfriar e deixar que as águas limpem as telhas. Mas, a partir da segunda chuva, pode sair correndo, pois não é permitido perder nenhuma oportunidade.
A maioria das casas tinha “biqueira”. Algumas baixas, onde sentávamos na calçada, e mesmo deitávamos, para que a água pudesse cair na cabeça; outras, altas e fortes, onde a concorrência era grande. Nestas últimas, formávamos fila para aproveitar o prazer daquele banho. As bicicletas tinham que ter as correntes previamente lubrificadas porque a aventura das chuvas exigia muita preparação até para elas. As águas das chuvas sempre ficaram empossadas nas ruas de Macau porque não tem como escoar. E, nelas mergulhávamos, brincávamos e corríamos felizes.
As ruas, as calçadas e as praças ficavam cheias de adultos e crianças. Era um ponto de encontro. Era um momento de êxtase e alegria.
O horizonte “lá de cima” era nosso guia. Sim, porque em Macau (e até hoje ainda é assim) bastava olhar pro céu “lá de cima” (a leste) para ver e calcular quanto tempo ainda duraria a chuva (muito ou pouco tempo). Se a “barra” (do horizonte) estivesse escura, a promessa de diversão não tinha tempo pra acabar. Se estivesse clareando, era hora de começar a retornar para as proximidades de casa. Não podíamos ficar muito tempo na rua depois da chuva acabar. Era perigoso... Era preciso tirar logo a roupa molhada.

Era olhando pro céu na “barra de cima”, que também era conhecida como “boca da gamboa”, que a gente podia observar se os trovões ainda estavam longe. Dependendo de sua distância, podíamos ou não permanecer na chuva. A nossa segurança era garantida apenas pelo som. Enquanto ouvíamos os trovões, podíamos ficar na chuva, mas quando os relâmpagos começavam a se mostrar no horizonte, na “boca da gamboa”, era hora de voltar. Corríamos para dentro de casa, pois com relâmpago era perigoso ficar na chuva.
Nos quintais, os cacimbões ficavam tão cheios que era possível tirar água com uma lata sem corda. As cisternas ficavam cheias de água pra beber e tínhamos certeza de que teríamos água o ano inteiro. Dentro de casa, o chão ficava molhado. Quem tinha piso de cerâmica na casa, que ficava escorregadio, era preciso enxugá-lo algumas vezes por dia. Quem tinha piso de madeira, via a superficialidade da água nas manchas sobre o chão.
Nesse cenário, convivíamos com o imaginário da cidade virar “cama de baleia” e com o pavor dos mais velhos. Mas, apesar disso, nas proximidades de onde morava, nunca ouvi e nem vi nenhuma casa sendo inundada. As águas não passavam da calçada...
Enfim, do meu mundo infantil, lembro que toda a cidade ficava disponível. Ir pelas ruas, a pé ou de bicicleta, sem destinos ou à procura daquela biqueira mais especial, é uma imagem que não se pode esquecer.
É devido a esse passado que continuo adorando a chuva e os trovões e olhando com admiração os relâmpagos. E sentindo, particularmente nos dias de chuva, um enorme desejo de voltar, de pegar o carro e aventurar chegar a Macau, para ficar na esquina da Casqueira ou na “área” da antiga casa de Vovó, olhando a chuva ou, mesmo, vestindo a roupa mais apropriada pra tomar banho de chuva.

Imagens impressionantes de Getúlio Moura (Ver em http://gmx.nafoto.net/index.html)







RECEBI A RESPOSTA ABAIXO DE UMA INTERIORANA DO SERTÃO DE ACARI:

Me identifiquei profundamente com o seu texto e me lembrei da minha infância em Acarí. O quadro era exatamente o mesmo. Nada mais gostoso do que uma grande biqueira gelando o nosso juízo!!!! Apenas uma diferença: Como estávamos em pleno sertão, a chegada da chuva virava festa como em Macau mas, o interessante é que as pessoas corriam gritando: Lá vem o rio com água, huhu! Era a cidade toda gritando com euforia o mesmo refrão. Uma delícia!
Um beijo