sábado, 9 de fevereiro de 2008

A BELEZA DO CARNAVAL


Que Beleza! Ciente do direito, no vai vai dos signos lingüísticos, no melódico e harmônico ritmo da música, no repente da arte plástica de Liranita, João Vicente, Marcelus Bob, Marcelo Fernandes, Valderedo, Serrão e Assis Marinho, na visão fotográfica de Giovani Sérgio e Getúlio Moura, passeei pela ionosfera e vi a Terra girar. Passando por temperaturas quentíssimas e outras friíssimas; sem aplauso, longe do banquete, sem flor e sem floreio, sem ser o major cosmonauta Yuri Gagarin, consegui levar a Macau a banda Apollo 11 para animar um tributo a Che. Graças a Deus, não congelei nem derreti. Com os pés no chão da civilização dos trópicos, e pensando alto, vi o sol da meia-noite do extremo norte norueguês, as auroras polares e o celestial azul terrestre. Montei numa vassoura de luxo e voei na louca cadência da península do sal. Sim, leitor, normal como qualquer cristão, tem vez que vôo na velocidade da luz, principalmente quando estou em sono profundo. Numa dessas viagens, pousei em Lagoa Redonda, Fortaleza, Ceará.
A missão na capital cearense era ir à Serejo Músicos, na rua Aurino Colares, encomendar uma canção efusiva sobre as carnavalescas cidades da costa branca potiguar. Lá, aos compositores, disse que os ajudaria com elementos de pesquisa e roteiro. Eles elogiaram minha máquina voadora e disseram que eu tinha aterrissado em hora ingrata. Estavam muiiito tristes para composição esfuziante, e esclareceram que o entusiasmo trôpego se devia à insegurança causada pelos projéteis atirados ao ar, pela impiedosa fuzilaria. Confesso: Feitas letra e partitura, o cantor assuense Carlos Bem seria chamado a interpretar. Na volta, precisando urinar, desci num sertão sedento. De repente, um vento estranho e uma risada engraçada. Virei, pode crer, era um Saci Pererê diferente, nu, o lado branco completo, o outro, preto, faltando uma perna. Nariz de negro, lábios de índio, lilás, cabeleira verde, gorro vermelho, cachimbo na boca e uma vara branca na mão esquerda. Vieram-me à mente imagens de Monteiro Lobato e seu Sítio do Pica-Pau Amarelo. Voltei à tona com o Saci perguntando de onde eu vinha e, antes que eu respondesse, reclamou das queimadas nas plantações de cana-de-açúcar, dos agrotóxicos, dos alimentos transgênicos, das monoculturas de soja e eucalípticos. Não pormenorizou o porquê, mas disse do empobrecimento do solo, extinção da diversidade de fauna e flora e desaparecimento do lençol freático.
Mas não é que o homem ficou curioso com a vassoura. Achou bonita e pediu pra ele. Disse-lhe que não poderia dar porque era meu meio de transporte, um instrumento de trabalho. Quando lhe expliquei que a vassoura voava, riu adoidado, deu vários pulos ao redor de mim e parou. Fixou-me nos olhos e externou que não ia à cidade por medo de bala perdida. Falei-lhe que o drama da violência era verdadeiro. Os citadinos se auto-isolam, evitam o convívio coletivo, ficam estressados, nervos à flor da pele, entediados. Muitos adquirem uma doença chamada síndrome do pânico. Notei o Saci introspectivo, de cabeça baixa, atento ao que eu estava falando. Disse eu ao Saci: preciso ir. Ainda quero passar no agreste pernambucano e ver a feira de Caruaru. O céu foi escurecendo. Nuvens cheias d’água surgiram no horizonte. Saci, retomando a alegria, com ar de sertanejo experiente, falou que só podia a chuva estar por perto..., na noite anterior a lua aparecera certa como um pote. Quando chegaram os trovões acompanhados de incríveis relâmpagos e forte precipitação pluviométrica, Saci deu uma risada gostosa e me disse que o ramo fino e flexível que tinha à mão era mágico. Uma vara de condão? Sim. Um lindo arco-íris apareceu risonho. A chuva passou, mas deixou o cheiro saboroso de terra molhada. Abraçamo-nos. Sorrindo, Saci corrupiou velozmente, e sumiu mato adentro.
No retorno a Macau sobrevoei a precária situação da praia de Camapum. Comeram dinheiro, estupraram a natureza, fizeram construções rente ao mar, e agora? Agora, as conseqüências. Como falei no artigo anterior, pulei de bico no carnaval de Macau. O Cordão da Fantasia foi a boa nova, a ponta do iceberg que indica reencontro do carnaval macauense com sua identidade perdida. Nesse Cordão baixou até um sósia de Falcão, o ícone dos bregas, era Rosenberg Ribeiro, o Bego, todo fantasiado. Não parei por aí. Segurei a corda do Bloco da Vitória em todo seu percurso carnavalesco. Assinei ponto no vibrante Vai Pipocar o Frevo, animado pelo expert Leão Neto e Banda Mestre Avelino; dancei em Camapum, ao som de Aballoguetto; estive no “Computaria”, brinquei à frente e atrás do Trio Elétrico com a Banda Grafith; marquei presença no Brega da Luz Vermelha e no Radiola de Ficha. Diverti-me no Corredor da Folia na hora do Kabaço Molhado e assisti ao show de Lane Cardoso. Desfilei na Escola de Samba Azes do Ritmo, com o tema “A ecologia de Açu a Macau”, e fomos campeões. Quase troquei a Azes pela Beija-Flor, só porque esta estava homenageando o advogado, poeta e imortal Gilberto Avelino. A histórica Imperadores do Samba, do meu amigo Lila, teve como lema o empreendedor empresário José Maria Jácome. Viva, viva, viva!!! Positivo e construtivo foram o trabalho da TV Litoral e a transformação da rua Pedro Lopes de Araújo, a rua da Linha. Nas imediações do bairro de Nossa Senhora dos Navegantes, antigo Maruim, entrei numa residência cuja família me disse que o patriarca da casa estava esquecido do juízo. O velho abraçou-me, e, me confundindo com papai, me chamou de Floriano. Incrível, as pessoas nunca esquecem tudo, sempre fica alguma reminiscência.

Renan Ribeiro de Araújo – Advogado