domingo, 17 de fevereiro de 2008

RECIFE OLINDA MACAU


Com Fausto Wolff, aprendi que o acrobata também pede licença e cai. Cansei de andar com a cabeça pelas tabelas, afastei o espantalho e dei prêmio nobel a Chico Buarque. Retornei a casa - e iria retornar pra onde? Li crônicas de Rubem Braga. Descansei. Dormi o tranqüilo sono de quem sonha poesia. Jorge Fernandes me deu enxada, Octavio Paz chegou com o arco e a lira. Floriano Bezerra trouxe a papangú entrevistando Vicente Serejo e padre Murillo de Paiva surgiu com a bíblia. De Mossoró, vieram publicações da Fundação Ving un Rosado; da UFRN choveram fazeres da Cooperativa Cultural e Abimael Silva acorreu com lançamentos da editora Sebo Vermelho. Era reinado de momo e toda a cidade vibrava, sorridente, com as sínteses de Edinor Avelino. Geraldo Pereira trouxe xambioá e apareceu uma tese sobre o carnaval das imagens, assinada por Michele & Armand Mattelart. Até intelectuais conversando numa mesinha da Poty Livros, e Ferdinando Teixeira levando o ABC à vitória, eu vi. Olhei de lado e, do alto de uma estante, parecida com a de Giovanni Sérgio, pingavam, em ritmo, letras do diário náutico, de Gilberto Avelino, de navegos, de Zila Mamede, gota de sangue num mar de lama, de Gutenberg Costa, superstição no Brasil, de Câmara Cascudo, e Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha. Passei a noite trabalhando e gostando. Apareceram, ainda, uns porcos com asas, de Marco I. Radice e Lidia Ravera e um baú de ossos, de Pedro Nava. Enfronhei-me na madrugada e, sem cansaço, inventariei o comércio das palavras, de Américo de Oliveira Costa. Não foram só flores: ouvi um relinchar depreciando as simultâneas aparições, um metido rotulando de bugiganga o que tenho como diamante de luz.
Parafraseando a atriz Florinda Bulcão, quem nasce em Macau traz uma carga de verdade muito dura e forte. Diante do passeio de vassoura voadora pela ionosfera, que contei no artigo anterior, um leitor folião me postou e-mail “paralelo” externando admiração pelo fato de eu não ter sofrido sequer um choque térmico. Questionamento pertinente, pois já vi pessoa com paralisia facial por tomar café quente e abrir geladeira. O folião incentivou dizendo que bacana será a viagem cósmica à exosfera, para trazer a música do Cordão da Fantasia 2009. O Cordão da Fantasia, leitor, foi o mais rico, bonito e original acontecimento do carnaval macauense de 2008. Uma Ponte do Encontro, como a de Fortaleza/CE, ou uma recifense Rua da União, com foliões em êxtase, cantando e dançando frevos, marchinhas e demais músicas carnavalescas. Um eterno carnaval.
2005, enfastiado do repetitismo medíocre imperante no entrudo de Macau, aproveitei para ver os carnavais de Recife Antigo e de Olinda. No hotel onde ficamos era oferecido traslado de ônibus para os pontos altos das frevanças. Perguntei ao recepcionista: se você tivesse um carro, iria de ônibus? De carro, é claro. Assim foi feito. Lá chegando, abraçados, eu, esposa e filhas, atravessamos pontes ornamentadas com enormes balões vermelhos, cuja luminosidade refletia na água do rio. Passamos pelos vários pólos carnavalescos, botando nossa alma no ardente multiculturalismo da revolucionária terra de Capiba, Guerra-Peixe e Ariano Suassuna. Pódio de foliões fantasiados, muitos vestindo camisetas com a bandeira de Pernambuco estampada. Festa colorida e brilhosa. Assistimos a apresentação de Alceu Valença, de várias nações de baque virado, blocos de pau e corda e tivemos vontade de brincar no “Eu acho é pouco”, com o seu “Eu acho é pouquinho”. Noutro dia, ficamos meio sem saber como voltar ao hotel. Numa rua deserta, entre sobrados e mocambos, paramos e perguntei a um transeunte como mais facilmente pegaríamos o rumo de Piedade. O cara, cheio de mé, respondeu: Meu irmão... é uma contramão do caralho!!! Mas nos deu a informação correta, chegamos tranqüilos, e assim foi até o fim. Em Olinda, não podia entrar carros com placa de outra cidade, mas os guardas nos deixaram entrar com a placa de Natal, logo que lhes disse escrever para a imprensa norte-rio-grandense. O "poleiro" para assistência dos desfiles de blocos e troças super lotado, os organizadores, agentes da prefeita comunista Luciana Santos, nos permitiram ficar no espaço reservado às autoridades. Só saímos para irmos atrás de uma das inúmeras troças da bela Olinda. Diga aí, leitor, quando as coisas têm que dar certo...???
Em 2008, em Macau, perto dos ecos precários da paranóica e pirotécnica política local, não foi fácil a única troça de frevo ir à rua. O Cordão da Fantasia foi excluído da programação oficial do carnaval. Convidei vários letrados a irem comigo à TV Litoral, falar sobre o Cordão, nenhum topou. Fui só, dei entrevista no sábado, a Túlio Lemos, e, segunda-feira, a Afonso Lemos. Soltaram boatos que o Cordão não iria às ruas. Isso confundiu e desmobilizou bastante. Na hora H do bloco sair, não havia trator para puxar a carroça dos músicos (astúcia de gozadores impertinentes ou assessores trapalhões). Aí, Leão Neto partiu para um lado e eu para outro, em busca de solução, e conseguimos. O prefeito foi encontrado, bateu o martelo e determinou o uso de um caminhão municipal em substituição ao trator “desaparecido”. Vou frear. No tempo da ditadura se falava baixo e se dizia pouco através dos meios de comunicação. Valeu o apoio dos blogueiros Giovana Paiva, Tião Maia, Alfredo Neves, Arafran Peter e Maxwel Almeida. Apesar do sufoco, como mágica, centenas de foliões estavam à espera, quando chegamos à Praça da Conceição com a carroça puxada por caminhão. Foi aquela alegria, e o Cordão da Fantasia, a todo pique, em busca da arca do futuro, plantou mais carnaval no chão de Macau.

Renan Ribeiro de Araújo – Advogado