terça-feira, 23 de outubro de 2007

Sobre a inveja


Na nossa vida cotidiana, seja ela no trabalho ou nos estudos, sempre temos que enfrentar algum entrave por motivo de inveja. E mexendo nas minhas papeladas, encontrei uma cronica do Vicente Serejo, grande potiguar, que me deixou com uma vontade enorme de dividir com meus amigos macauenses. Não é direcionada a ninguém e sim somente para explicitar a inteligência contida nas palavras e para fazer uma homenagem neste blog a este cronista gigante potiguar.

Um Abração, Luiz Antonio de Bíbi.



A INVEJA

Por Vicente Serejo


A inveja mata. Pode acreditar. Começa com um gosto amargo na boca; depois deixa os olhos injetados, e, um dia, acaba invadindo as cavernas mais íntimas da própria alma. Quando chega lá, creia, não sai mais. Fica pregada. Se fosse só uma coceira braba, ainda talvez tivesse cura com um simples macerado da flora medicinal. Mas, é doença que tem peçonha e não larga. Porque a inveja, quanto mais velha mais inseparável. É como o lodo triste que cresce nas pedras do cais. Os invejosos não são narcisistas. Ao contrário. Se fossem, seriam identificados facilmente. Sobretudo, seriam inofensivos. A vaidade pode ser dissimulada e, quase sempre, é. Os invejosos não. São como ourives de jóias falsas: perfeitos. E por isso acabam escravos de si mesmos, afinal ninguém tem culpa. São vítimas de uma doença que não podem confessar. Vinho podre, tomado aos poucos, e assim não mata de vez. Vai destruindo lentamente e leva anos consumindo a vida. Os vaidosos são mais fáceis de compreensão. Muitas vezes são uns solitários nas cavernas da vida, com a alma pedindo glória ao mundo. O único pecado do vaidoso é ser personagem de si mesmo, quase sempre sem graça e sem força. Sem aquele sopro de vida que enobrece a arte da criação. Os invejosos, não. Destilam a triste incapacidade de amar e, mesmo quando simulam o amor, esgrimam a inveja. Dissimuladamente. E numa neurose refinada que nem Freud imaginou. A tragédia da inveja é tornar a vingança impossível porque quem inveja é algoz de si mesmo. Energia que não se volatiliza. Fica ali, como uma aura negra sobre a cabeça. Os invejosos são ratos raivosos roendo as próprias unhas, morcegos viciados na bile negra da morbidez. O invejoso tem dependência química da inveja, por isso a maldição de invejar não passa nunca. Mesmo quando realizam seus grandes sonhos, ainda assim invejam os pequenos sonhos dos outros. Não há vida mais terrível que a dos invejosos. São atormentados não pelo que desejam ser e não conseguem, mas pelo que os outros são ou não são. Deu pra entender? E não vivem de bem com a vida com o fel no lugar da adrenalina. São ciumentos de amizades e cobradores de afeições. Há em suas almas uma necessidade neurótica de ser contra. Sempre. Num desespero sem sossego. Porque tudo nos outros incomoda. Tudo, tudo. A glória de ser ou a miséria de não ser. Tanto faz. A maldição da inveja é sua capacidade de dominar pela semelhança e, sobretudo, de não se deixar notar. Só pelos outros. Aqueles, os invejados. E é estranha porque é uma forma pervertida de admirar. Não há nada capaz de fazer um invejoso feliz. Nada. Mas ele sabe que a inveja sempre escapa. Do silêncio dos olhos; do riso falso; dos gestos e das palavras. Mas, é bom ter cuidado com os invejosos. São bichos de hábitos noturnos porque a inveja é como a noite: não tem quem pegue.