sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O APRENDIZ DE CARNAVAL


O cimo do carnaval de Macau está além do trio elétrico passando nas ruas, e bandas musicais no corredor da folia e na praia de Camapum. A festança salgada requer nuance, detalhe de menos custo e mais brincadeira. A lição de Lenhadores, Futuristas, Mutantes, Te Vira, Taioba, Sono, Hospital, Sombras, Bruxos, Vai Quem Quer, Pipoca Bloco de Folia, Vai Pipocar o Frevo, Zé Ribeiro, Raimundo Xavier e Salete, Floriano e Quinquinha, Celso e Lourinha , Afonso e Elizabeth, Olindina, Titico, Moisés, Chiquinho Catapirra, Lila, Troça do Cruzeiro, Negão do pandeiro, Monsenhor Penha, Inácio dos Índios, dona Color e Câmara Cascudo ensina que o reinado verde-oceano e azul-anil de momo se constrói com meticulosa logística. E mais: deve dar asas à imaginação popular e não se deixar cair na mesmice e burocratismo dos movimentos enfadonhos. Algo contemporâneo, movido a folião sujeito, ator principal, e não mero objeto, peça de decoração diluída na massa de manobra, sem singularidade, objetivo, conteúdo, valor, número substituível ao bel prazer de agente de gosto duvidoso.
Mela-Mela, Jardim, Equipicão, ilha, sol, chuva, dia, noite, estrela, ar, crosta, mineral, barro, seixo, petróleo, manguezal, rio, garça, maçarico, atobá, mar, água-mãe, peixe, crustáceo, concha, marisco, moinho, árvore, flor, andorinha, coruja, morcego, povo e sal merecem que cada novo carnaval seja um novo e inédito carnaval dos carnavais. Para tanto é preciso bom humor, participação e canal de colheita de opinião. A cadência carnavalesca aperfeiçoará o acúmulo de experiências dos momos anteriores. Ouvir outras vozes é senda de liberdade que atrai outras palavras e germina o dinâmico e criativo. O macauense do Brasil (lembre-se que existe uma Macau em território chinês) é um litorâneo fervoroso nas suas crenças. Não se entrega fácil. Insiste em não evadir-se. É esperançoso no progresso. Cultiva sabedoria de que o azar passa e tudo melhora. Mantém relação idílica com o festejo da terra - se segura o ano inteiro e se solta no carnaval.
Carnaval em Macau sintetiza bondade, alegria, fraternidade, paz, amor e igualdade. O fenômeno não é recente. Recentemente, isso sim, muito desse sincretismo recreativo tem ameaçado desaparecer. Antes da chegada das bandas musicais grandes - que levam muito dinheiro dos munícipes - o momo macauense acontecia com toda pompa. Para se ter uma idéia, no carnaval, na época das diretas já para Presidente, praticamente todas as famílias recebiam e hospedavam em seus lares grande número de risonhos foliões. A nossa casa, na terra das salinas, por exemplo, era guarida para mais de quinze visitantes em cada período de momo, fora, claro, os familiares. Bons tempos. Complicado é que mamãe não parava de trabalhar pra dar conta de bem-estar pra tanta gente. Faz, portanto, muito tempo que o momo macauense acontece com grandeza e virtude do que é original.
O encanto do trio elétrico da terra, com Zezinho do Bandolim, Paulinho de Macau, Chiquito, Menezes, Ranilson, Tonico, Mirréis, Netinho de Color, Madruga, Edinho Queiroz, Raimundo Silvestre, Marquinhos, Carlinhos de Aprígio, Leão Neto, Dino França, Porrete, Laércio, Tião Maia, e outros - músicos nativos de primeira linha – enfeitiçou e arrastou milhares e milhares de foliões no final dos anos 1970, década de 1980 e início dos 1990. Isso me faz concluir que, em solo potiguar, foi em Macau a origem do trio elétrico no carnaval. O deus Dionísio (grego) e o deus Baco (romano), protegendo a humana concupiscência misturada ao vinho, se regozijavam com tamanha reunião pagã. E os blocos do eu só, seria ingratidão esquecê-los. Destacam personalidades como Passo da Ema (Virgílio Dantas), Luciano Bezerra, Gerson do Correio e Zelito Araújo, astros incomuns, emblemas de um carnaval inteiro. Levi Araújo, bruxo-mestre dos Bruxos, um show à parte.
Sempre é hora de aprender e ensinar. O Cordão da Fantasia, de Macau, valoriza a diversidade de dons e apreende o melhor das manifestações culturais de outros lugares. Fé e perseverança do folclorista Gutenberg Costa, troças da praia de Pirangi, Baiacu na Vara, da Redinha, Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens, de Ponta Negra, A Soma, de Areia Branca, o lúdico entrudo caicoense, o animado carnaval de Apodi, estivadores baianos e seu Afoxé Filhos de Ghandi, nações de maracatu de baque virado, blocos de pau e corda, passista, sombrinha e frevo pernambucanos. Linguagem, roupa típica, expressão, saber, confete, serpentina, música, dança, ritmo, cor, brilho, imaginação, ética, estética, harmonia, alegoria, incenso, aroma, maquilagem, adereço, tudo conta. Sou do tempo em que bagaceira, papangú, pierrô, colombina, fada, rei, rainha, princesa, drácula, bruxo, metralha, pirata e repentista do corpo faziam coreografias nos clubes, praças e avenidas de Macau. O leitor sabe, carnaval tem a ver com multicultura de um povo que mistura cinzas carnavalescas (cansaço da carne, das orgias) com cinzas cristãs (volta à realidade do dia-a-dia, jejum, perdão e mudança). Aliás, na tradição religiosa, as cinzas da quarta pós terça-feira gorda são simbolicamente oriundas da queima das ramas com as quais os fiéis, no domingo de ramos, receberam Cristo na entrada de Jerusalém, dias antes do seu calvário, morte e ressurreição. Se de pé no chão também se aprende a ler, imagine o leitor as possibilidades evolutivas de um atento aprendiz de carnaval.

Renan Ribeiro de Araújo – Advogado