segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

APÓS A QUARTA-FEIRA DE CINZAS


ARTIGO

O livro de registro carnavalesco assinala que o ano novo só inicia após a quarta-feira de cinzas. O leitor há de concordar que o sempre novo baiano Morais Moreira pode até ter caído de cima de trio elétrico, mas é um titã da música brasileira. E é alvissareiro saber que seu DNA musical continua em Davi Morais, seu filho. Morais Moreira encantou o mundo afirmando musicalmente que no Brasil o ano só termina quando é carnaval. No Rio Grande do Norte o carnaval de época não vinga em todo lugar. Aqui, apesar dos pesares, o reinado azul de momo ainda insiste em acontecer em Macau. Na terra do professor, escritor e poeta Benito Barros tentou-se fazer carnaval no estilo carnatal, mas o empreendimento não vingou. O ingrediente macauense, que eleva e dá supremacia, é a inaudita adesão do povão. No tríduo momesco, o nativo extravasa alegria e destrava o passo ao som de ritmos nordestino, carioca, pernambucano, baiano, africano, caribenho, pop rock e brega.
No carnaval, filhos e agregados da península salineira são atores que encarnam o espírito de Chiquinha Gonzaga, Mário Reis, Lamartine Babo, Cartola, Os Lenhadores, O Sabiá, Passo da Ema, Os Metralhas, Os Sombras, As Almas, O Boi, As Enxutas, Bafo da Onça, Tribo Tupi-Guarany, A Cobra, Balancê, Ko-kana, Cangaceiros, Bloco da Vitória, Os Bruxos, Caçacheiro, Vai Quem Quer, Pipoca Bloco de Folia, Associação Macauense de Agremiações Carnavalescas e tantos outros que, com fazer lúdico, inventivo, descontraído e animado, praticaram idéias e deram sentido à paixão do folião. Antigos e novíssimos carnavais se juntam para fazer valer a tradição. A multidão no mela-mela, em paz, à frente e atrás do trio elétrico, melando uns aos outros de mel, água, farinha, ovo - versão local do entrudo português – é muito legal. Explosão de tolerância festiva, profana, abençoada, participada por crente, ateu, agnóstico, rico, pobre, letrado e analfabeto.
Tento equalizar questões semânticas, léxicas e fonéticas, refletindo pra dentro e pra fora do texto, eis que meu primo Riane telefona da Amazônia, onde se encontra buscando melhor remuneração para sua força de trabalho. Digo-lhe que me pegou trabalhando na construção de um artigo. Não sei por que cargas d’água Riane comenta o show de Morais Moreira em solo potiguar e macauense, na ocasião de inauguração do Teatro Hianto de Almeida, na gestão José Antônio Menezes prefeito. Lembrei que a referida sala de eventos está sem funcionar, pois o teto ruiu. Refleti: ainda bem que o evento musical não aconteceu dentro do teatro da rua 13 de maio. O telhado poderia ter desabado em plena festividade inaugural. Talvez a cobertura capenga não agüentasse o peso do som e o frenesi da aglomeração. Morais cantou na rua, em palco montado em frente ao ginásio de esportes. Na oportunidade, a cantora Silvana Martins interpretou canções dos Vieira Gilson e Nazareno, Manassés e Paulinho de Macau.
A ONU decidiu que 2008 é o Ano do Planeta. A Campanha da Fraternidade é “Em Defesa da Vida”. A Terra reclama o oxigênio que lhe foi roubado pela civilização industrial e os brasileiros em geral reivindicam direitos no bolo econômico nacional. A festa carnavalesca refresca a memória. Não bitola nem gera estupidez. Não produz mudez, surdez ou cegueira. Ao contrário do que muita gente pensa, não aterra nem afasta a agenda social. O tema do bloco “Os Bruxos” no momo de 1980, por exemplo, foi “Os Anos 70”. No carnaval que se avizinha, Zé Pereira em 02 de fevereiro - dia em que Salvador/Bahia festeja Iemanjá, rainha do mar e mãe protetora dos filhos, dos pescadores e dos animais domésticos - caso o leitor esteja em Macau, vista uma roupa carnavalesca e engrosse o Cordão da Fantasia, a novidade que sairá às ruas na tarde do domingo carnavalesco, sob acordes e notas musicais de Leão Neto e Banda Mestre Avelino. Fé em Deus, serei presente e brincarei o que puder. Depois vêm Quaresma , Páscoa e ânimo renovado por melhores dias.
Renan Ribeiro de Araújo